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“Nadie es una isla completo en si mismo; cada hombre es un pedazo del continente, una parte de la Tierra. Si el mar se lleva una porción de tierra, toda Europa queda disminuida, como si fuera un promontorio […] y por consiguiente, nunca preguntes por quién doblan las campanas porque están doblando por ti.” John Donne

 

O sentido profundo da famosa frase “nenhum homem é uma ilha” tem inspirado diversas reflexões ao longo do tempo. Desse poema do século XVI surgiu o título do romance Por quem os sinos dobram, do escritor norte-americano Ernest Hemingway, ambientado na Guerra Civil Espanhola. O tema contido nesse texto, aqui propositalmente transcrito em espanhol, levou-me a refletir sobre o isolamento linguístico do Brasil, cercado de países que falam espanhol, e a questionar se um idioma poderia ser uma ilha.

O linguista estadunidense Steven Fisher, entrevistado por uma revista semanal de grande alcance, profetizou o “fim do português” no Brasil, e sua troca pelo portunhol. A fusão entre as duas línguas, com data marcada para acontecer em 300 anos, ocorreria especialmente “pelo fato de o Brasil estar cercado de países que falam espanhol e à enorme influência [do idioma], num processo linguístico de transformação e enriquecimento”1.

É desnecessário ser estudioso de línguas e da linguística para considerar essa “profecia” como sensacionalista ou improvável – pois o Brasil, desde os Tratados de Tordesilhas e de Madri, “sempre esteve cercado de países de fala espanhola”2. Ainda assim, o vaticínio do linguista norte-americano extrapolou as revistas informativas, figurando em artigos de reconhecidos estudiosos das questões da linguagem.

Mencionando Fisher, a crítica literária e professora-pesquisadora de Linguística e Análise do Discurso, Beth Brait, assim encerrou seu ensaio sobre a identidade linguística brasileira:

Se fosse permitido brincar com o linguista americano Steven Roger Fisher, mesmo reconhecendo seus poderes de decifrar mistérios como aconteceu com as inscrições da Ilha de Páscoa, seria possível argumentar que a língua portuguesa falada no Brasil está em contato com muitos outros fatores que interferem em sua existência além do espanhol, aspecto que, neste momento, não está num primeiro patamar, caso houvesse algum interesse em estabelecer uma hierarquia. Imaginando metaforicamente um site para a língua portuguesa falada no Brasil, ele certamente poderia ser denominado linguaportuguesa@poderosa.com.br e poderia incluir como texto epígrafe uma saborosa referência extraída de um escritor do século XIX, que muito se empenhou na identidade da língua falada no Brasil, que é José de Alencar. O trecho está no prefácio de Sonhos d´Ouro: “O povo que chupa o caju, a manga, o cambucá e a jabuticaba pode falar uma língua com igual pronúncia e o mesmo espírito do povo que sorve o figo, a pera, o damasco e a nêspera?” (Alencar, 1977, p. 168).

Assim, já que um idioma pode, sim, ser uma ilha, é incontestável, porém, que nenhum ser humano o é. O espanhol é o segundo idioma mais falado no mundo, e até dentro dos Estados Unidos vem ganhando terreno nos negócios, nas universidades, nos meios de comunicação e até na política: George W. Bush e Barack Obama entenderam que, para ganhar a Casa Branca tinham que contar com o respaldo da comunidade latina. Estadunidenses também utilizam o idioma em suas viagens de negócios ou de turismo pela América do Sul e na Espanha. Na União Europeia o espanhol é uma das línguas oficiais. Deixar de aprendê-lo seria isolar-se em uma ilha, impossibilitado de compreender o mundo hispânico.

O propósito da epígrafe em espanhol ilustra dois fatos curiosos. O primeiro é que, embora o espanhol e o português sejam o par de línguas latinas mais próximas, “a semelhança entre as duas línguas ajuda no estado inicial da aquisição, mas prejudica em níveis mais avançados, gerando a aquisição de uma interlíngua [o portunhol] e não a da língua espanhola”3. O segundo é a maior facilidade de brasileiros aprenderem espanhol do que os hispanos aprenderem português. Há uma explicação científica, mas essa já é outra história. Até poderíamos fazer uma brincadeira apostando que, ao contrário da profecia de Fisher, seria mais fácil os hispanoamericanos virem a falar portunhol do que os brasileiros adotarem o “espanhês”

Seja como for, temos de reconhecer a grande influência do idioma espanhol na atualidade, no âmbito global, e a importância de nossos estudantes dominarem essa língua. A proficiência em mais de um idioma amplia horizontes e habilita a ultrapassar fronteiras inimagináveis. Faz com que as palavras saiam do estado de dicionário – granero del idioma4 – e semeiem e frutifiquem a cento por um.

 

 

 

Referências
1 SALGADO, Eduardo. O fim do português. Veja, São Paulo, ed. 1643, 5 abr. 2000. Disponível em: <http://goo.gl/mfolXP>. Acesso em: 19 fev. 2015.
2 BRAIT, Beth. Em busca de uma identidade linguística brasileira. In: BARROS, Diana Luz Pessoa de. Os discursos do descobrimento: 500 e mais anos de discursos. São Paulo: Edusp, 2000. Disponível em: <books.google.com.br/books?>. Acesso em: 5 nov. 2014.
3 FIALHO, Vanessa Ribas. Proximidade entre línguas: algumas considerações sobre a aquisição do espanhol por falantes nativos de português brasileiro. Disponível em: <http://goo.gl/rWfnWt>. Acesso em: 18 fev. 2015.
4 Verso do poema “Oda al diccionario”, de Pablo Neruda. Disponível em: <http://goo.gl/3TDL6Z>. Acesso em: 18 fev. 2015.

 

Imagem: Mikhail Mishchenko / Fotolia
Fonte: Revista CPB Educacional / 1º semestre 2015