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Há alguns anos ouvi essa frase e tenho tentado, desde então, encontrar a sua fonte, pois não me lembro quem a pronunciou, muito menos sua autoria. Provavelmente seja um sábio “autor desconhecido”. No entanto, isso não impediu que ela impactasse profundamente minha vida como educador. A clareza e a objetividade facilmente verificáveis nessa frase jamais saíram dos meus pensamentos.

Estou há mais de 20 anos envolvido com o desafiador e prazeroso processo do ensino-aprendizagem e vivenciei a força desse pensamento inúmeras vezes. Alunos, professores, orientadores, coordenadores, diretores, enfim, todos os envolvidos nesse processo, conscientes ou não, já experimentaram a verdade contida nessas palavras.

Quantos de nós, profissionais da educação, já nos deparamos com alunos “brilhantes”, segundo os tradicionais parâmetros avaliativos, que, no entanto, se tornaram profissionais medíocres? Por outro lado, quantas vezes também encontramos alunos dos quais pensávamos “esse aí não vai dar em nada”, e que se tornaram excelentes profissionais? Uma das mais relevantes explicações para esse aparente paradoxo está contida na citada frase.

Se tomarmos a palavra inteligência como expressão da capacidade de acumular conteúdo, então classificaremos aqueles alunos que alcançam as melhores notas como os mais inteligentes. De modo geral, nós, educadores, gostamos desse tipo de aluno. Quase sempre somam às “notas altas” um comportamento exemplar, ou seja, não nos dão “trabalho” e ainda demonstram que o nosso dever foi cumprido. Estamos “educando”.

Como educadores cristãos, no entanto, acreditamos que educar é muito mais do que simplesmente transmitir, facilitar, mediar (ou qualquer outra palavra que faça parte do “idioma pedagógico”*) o conteúdo. Acreditamos na formação integral dos alunos e que, tão importante quanto a formação do intelecto em seu aspecto cognitivo, o desenvolvimento das habilidades físicas, sociais, emocionais e espirituais também é fundamental à formação de cidadãos plenos.

Desse modo, “cumprir nosso dever” como educadores é muito mais do que colaborar para a produção das “notas altas” dos alunos. É mais do que simplesmente “produzir inteligência”. A responsabilidade como educador deve contemplar também o desenvolvimento e a produção de “sabedoria”. A despeito da importância da inteligência na apreensão do conteúdo, esta, por si só, é incapaz de produzir a cidadania ativa, ou seja, aquela que leva o estudante a se sentir parte de um corpo social, agindo sabiamente a partir do senso de pertencimento.

Nesse contexto, a palavra sabedoria pode ser entendida como a habilidade de usar as informações adquiridas – por meio da inteligência – para promover o bem. Nessa perspectiva, a sabedoria é a ferramenta que nos capacita a usar todo o conteúdo adquirido para exercer nossas funções como cidadãos ativos, contribuindo para promover uma sociedade melhor.

Voltando aos alunos, podemos mencionar aqueles que, a despeito de suas notas nada significativas (em se tratando da cobrança dos conteúdos), sabem promover um clima muito “diferente” em sala de aula. Quase sempre, esses alunos dão mais “trabalho”. Suas notas e comportamento saem do padrão (seja lá o que isso signifique) e assim somos obrigados a encontrá-los em aulas de recuperação, na sala da orientação ou mesmo da direção da escola. Algumas vezes são chamados de “rebeldes” ou “mal-educados”. Em outros casos são apenas os “bagunceiros” e inquietos dos quais gostamos, mas que não conseguem se adaptar às regras da escola.

Dentre esses, muitas vezes encontramos alguns que, a despeito do pouco conteúdo retido, o que é demonstrado nas notas, são os que mais trazem alegria à sala de aula. São engraçados, amigos, e, em muitos casos, líderes naturais. Suas habilidades sociais são bem desenvolvidas e, quando se interessam pelo conteúdo, fazem ótimos comentários. Não são nem de longe incapazes ou “burros” como alguns diriam, simplesmente não se interessam por desenvolver uma habilidade que lhes parece inútil.

Pense os alunos que dão “trabalho” por serem inquietos e não se adequarem às regras, mas que parecem “saber” fazer da vida algo bem interessante. Imagine-os aprendendo com os “inteligentes” o valor do conhecimento. Assim, eles perceberiam que o conteúdo poderia torná-los mais sábios, pois, se sabem fazer a vida parecer mais digna de ser vivida com pouco conteúdo, imagine o que fariam com muito? Há alunos que conseguem unir os dois conceitos, na prática, motivando-se ao estudo, e, ao mesmo tempo, tornando o ambiente mais agradável. Outros, contudo, têm dificuldade. A escola deveria ser o principal espaço desse encontro.

Enfim, acredito profundamente no encontro da sabedoria e da inteligência. Nessas duas décadas trabalhando diretamente com milhares de alunos, tive o prazer de encontrar vários deles que vivenciaram essa experiência. É deles que mais sinto saudades. Eles me fazem acreditar que, depois de suas próprias famílias, nós, educadores, somos os maiores responsáveis pela promoção desse encontro. Que Deus nos abençoe nesse trabalho, na certeza de que “o temor do Senhor é o princípio da sabedoria” (Provérbios 9:10).

 

*Termo cunhado por Isabel Alice Lelis, professora e pesquisadora do programa de pós-graduação e diretora do Departamento de Educação da PUC-Rio.
Fonte: Revista CPB Educacional – 2º semestre /2015
Imagem: katy_89 / Fotolia