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RESUMO

O presente artigo tem como objetivo abordar o polêmico e ainda não resolvido assunto “indisciplina” no âmbito escolar, analisando o contexto e os ambientes que envolvem ou desencadeiam tal situação e algumas das raízes desse problema, comumente atribuído ao professor. Para isso, usaremos como base pesquisas de autores que dedicam estudos a esse tema.

Palavras-chave: educação, escola, família, indisciplina

INTRODUÇÃO

Especialmente nos tempos atuais, a grande queixa ouvida no ambiente escolar gira em torno da indisciplina externada pelos alunos em forma de atos simples, como negar-se a fazer uma atividade, até a agressão, seja a vítima um colega ou um funcionário da escola. Que profissional da educação não sonha com um ambiente livre de atos indisciplinares? A solução, porém, está longe de ser encontrada, e o diagnóstico das causas e a elaboração de planos de ação para que tal problema seja solucionado também estão longe de ocorrer.

Entretanto, não se pode pensar que tudo está perdido ou se deixar abater pelo desânimo diante desse momento crítico pelo qual as instituições de ensino, quer sejam públicas ou particulares, estão passando. Várias áreas de conhecimento científico têm se preocupado com esse aspecto. Tentando compreender o que gera esse tipo de comportamento na criança ou adolescente, os estudos enfocam vários aspectos da vida do ser humano: as emoções, a família, o ambiente escolar, a cultura, a herança genética ou mesmo as limitações físicas ou mentais. Assim, em conjunto, analisa-se todo o processo que envolve a aprendizagem, e não apenas a indisciplina em si. O comportamento que demonstra a indisciplina passa a ser um termômetro do que ocorre com a criança, e não apenas a “prova” de que ela deva ser tratada, corrigida de uma forma ou de outra.

EDUCAÇÃO E APRENDIZAGEM

Pesquisas, em especial as desenvolvidas na década de 1990, destacam a importância da emoção no processo de aprendizagem, demonstrando que esse fator não pode ser ignorado. Para Casassus (2008, p. 32), filósofo e sociólogo chileno, “[…] aprender e como aprendemos depende das emoções […]”; ou seja, a percepção do mundo ocorre, em primeiro lugar, por meio de estímulos recebidos pelos sentidos e, depois, por meio da razão, não sendo possível, dessa forma, pensar em educação e aprendizagem – e consequentemente em disciplina – sem levar em consideração as emoções.

É interessante destacar que até mesmo para Walter Benjamin, citado por Fernandes (2009, p. 36), que demonstrou não ser um pensador da educação e cujos estudos não se voltaram para a infância, mas para a literatura, história e cinema, não passou despercebida a questão de que a educação deveria permitir “a pais e filhos e a educadores e alunos se recriarem no processo de ensino”. Benjamin também considera a criança “como uma pessoa inserida na história e numa cultura, da qual também é criadora”; portanto, em nosso ponto de vista, a criança é ação e reflexo dos ambientes dos quais faz parte, com destaque para os ambientes familiar e escolar.

Ao enfocar “emoção” como uma “energia vital que liga os acontecimentos do mundo externo com o mundo interno de cada um de nós”, Casassus (2008, p. 30), em pesquisa recente1, coloca ênfase na confirmação de que o sucesso ou insucesso de uma criança no âmbito escolar vai além do aprendizado dos conteúdos; cabe ao professor saber identificar as necessidades dos alunos que refletem o aspecto emocional, sendo esse fator de significativa importância para o desempenho satisfatório da criança. Em entrevista, ao ser questionado sobre o peso do clima emocional ligado aos fatores que favorecem ou atrapalham a aprendizagem, declara:

Na nossa pesquisa, ele [o fator emocional] teve uma importância maior do que todos os demais fatores somados. E veja que examinamos mais de 30 variáveis, como condições de trabalho, salário, experiência e formação dos professores, o número de livros em casa e na biblioteca, o tempo que os pais passam diariamente com os filhos e o total de alunos por classe.

Pesando aspectos inerentes ao agir, sentir e pensar do sujeito, não podemos separá-lo dos ambientes aos quais pertence. Dessa forma, o ambiente no qual a criança está inserida configura-se como fator capital no seu desenvolvimento. Cientes dessa importância do ambiente, as instituições que se agregam ao contexto de aprendizagem da criança, no intuito de fazer com que ela não apenas aprenda, mas principalmente apreenda o conteúdo ensinado, voltam seus estudos e atuação também para esse fator.

Casassus (2008), em suas pesquisas, verificou a importância decisiva do ambiente no desempenho da criança, o qual pode contribuir para a indisciplina. Em entrevista, ele assinala:

O achado mais surpreendente foi a importância do ambiente favorável à aprendizagem na escola – mais especificamente, a necessidade de um clima emocional adequado dentro da sala. Nas instituições em que os alunos se dão bem com os colegas, não há brigas, o relacionamento harmonioso predomina e não há interrupções nas aulas, eles se saem melhor. Verificamos que o desempenho deles chegou a ser superior em 36% na nota média da prova de Linguagem e 46% na de Matemática (CASASSUS, 2008, p. 30).

Portanto, a família e o ambiente gerado por ela estão associados ao comportamento do sujeito e à atuação das instituições de que ele faz parte e dele próprio nessas mesmas instituições. Assim, vários campos da ciência se propõem a entender a aprendizagem e a não aprendizagem a partir da malha de relações na qual o sujeito está imerso (BARBOSA, 2005). Nesse sentido, associamos o sucesso da aprendizagem com o contexto em que ela ocorre e os ambientes relacionados a ela, destacando a relevância desses aspectos para a indisciplina no ambiente escolar.

O sociólogo Casassus destaca também a importância do ambiente familiar não apenas para o desempenho da criança no âmbito escolar, mas para a construção de seu próprio ser.

Para Repulho (2009, p. 30): “Relacionar uma questão externa à escola ao desempenho dos alunos só é válido quando existe uma vulnerabilidade real e é necessário o professor fornecer orientação à criança. Essas situações são as que envolvem riscos devido à má qualidade da moradia e da violência”.

INDISCIPLINA E VIOLÊNCIA

A indisciplina é também conhecida por outros nomes, que podem soar menos agressivos, como “comportamento inadequado” e “falta de limites”, ou chocar quem ouve, como “violência escolar”. Independentemente de como seja identificada, a indisciplina constitui uma das queixas mais frequente entre pais e professores.

Não é admissível que se aceitem os atos de violência ocorridos no ambiente escolar. Entretanto, conforme artigos direcionados a entender e analisar as situações de indisciplina na escola, divulgadas pela mídia, nos últimos anos “evocar a imagem de escolas violentas tem-se tornado clichê entre educadores, principalmente nos grandes centros urbanos”. Às vezes, essas notícias vêm carregadas de sensacionalismo, levando-nos a aceitar que “o que era apenas exceção parece tornar-se regra” (GROPPA, 2002, p. 22).

Quase instantaneamente, a violência generalizada nas escolas fixa-se no imaginário social e prejudica antecipadamente a profissão de professor, pois é vista como mais um motivo, diga-se enganoso, para que a profissão seja considerada quixotesca, à beira do impossível, como ressalta Groppa (2002), levando possíveis futuros educadores a desistir dela antes mesmo de fazer a inscrição para o vestibular.

É evidente que não podemos negar a violência urbana. Devemos entender que essa mesma violência interfere na realidade escolar, visto que os mesmos indivíduos que constituem a sociedade também formam a comunidade escolar. Se, na escola, ocorrem situações potencializadoras de indisciplina, é porque, de certa forma, esse mesmo ambiente também gera situações de violência. Em um de seus artigos, Groppa (2002, p. 22) registra:

Em algumas regiões do Brasil, a incidência de atos violentos extremos é maior até do que no Oriente Médio ou na África, onde há guerra civil aberta. Então, alardeamos que nossas escolas estão sendo invadidas pela brutalidade do contexto social. Isso é verdadeiro apenas em parte. Primeiro vale lembrar o óbvio: nas escolas, há muito menos violência do que no âmbito geral da sociedade. Depois, que o cotidiano escolar não só incorpora as ameaças de seu exterior como produz ele mesmo conflitos, embates e exclusões.

Vichessi (2009, p. 79) entende indisciplina como “transgressão de dois tipos de regra”:

As primeiras [regras] são as morais, construídas socialmente com base em princípios que visam ao bem comum, ou seja, em princípios éticos. Por exemplo, não xingar e não bater. Sobre essas, não há discussão: elas valem para todas as escolas e em qualquer situação. O segundo tipo são as chamadas convencionais, definidas por um grupo com objetivos específicos. Aqui entram as que tratam do uso do celular e da conversa em sala de aula, por exemplo. Nesse caso, a questão não pode ser fechada.

A existência desses dois tipos de regras inevitavelmente gera incompreensão por parte dos professores e dos próprios alunos. Se determinados tipos de regra variam entre os ambientes escolares, torna-se confuso, para a comunidade escolar, saber quais atos são de indisciplina ou mesmo como proceder e cobrar atos de disciplina.

Embora haja comportamentos intransferíveis e imutáveis, visto que são inerentes ao bom caráter de qualquer ser humano, manter um ambiente de disciplina ou não cair na indisciplina requer posturas cada vez mais voltadas à realidade do tempo em que se insere a comunidade escolar; ou seja, não podemos adotar, como modelo disciplinar, comportamentos vigentes no início do século XX ou nos anos 70 desse mesmo século, afinal a realidade do mundo no geral é outra. A respeito disso, Vichessi (2009, p. 79-80) assim se posiciona: “O movimento contínuo de construção e reavaliação de regras, mais o respeito a elas, é a base de todo convívio em sociedade. Da mesma forma que os conflitos nunca vão deixar de existir na vida em comunidade – no contexto escolar especificamente –, eles também não vão desaparecer. Saber lidar com eles faz com que você consiga trabalhar melhor […]”.

Não basta atribuir ao professor ou a qualquer outra pessoa a culpa pela indisciplina nem agir sobre a consequência. É preciso buscar a causa que desencadeia a (in)disciplina, para escolher estratégias que serão aplicadas antes mesmo das consequências. Para Vichessi (2009, p. 80), “não adianta exigir que os alunos cumpram as tarefas, se a estratégia de ensino e o tema não dizem nada a eles”.

É preciso, portanto, que as crianças compreendam por que seguem determinadas regras, mesmo que sejam impostas por terceiros. Devemos direcioná-las à essência de tais regras, a fim de que possam reelaborá-las de acordo com a situação vivenciada. Tal reelaboração não é sinônimo de falta de autoridade. “Nessa fase [até os 9 anos], a autoridade é fundamental para o bom andamento das relações” (VICHESSI, 2009, p. 80).

Groppa (2002, p. 22) também comenta que seguir ou transgredir regras são atitudes preventivas ou geradoras de indisciplina, podendo desencadear situações de violência. Por exemplo:

[…] quando alguém, por vontade própria, causa danos à dignidade de outra(s) pessoa(s). Isso pode ser feito de maneira explícita, por exemplo quando atentamos contra a integridade física do outro ou seus bens materiais ou de matéria simbólica, como quando afrontamos sua integridade moral ou sua participação social. Contra a primeira, temos o direito. Contra a segunda, apenas a ética democrática […].

No cotidiano escolar, a indisciplina é consequência da violência latente ou explícita, que a cada dia se externa com mais frequência, desde situações em que impedimos a participação equitativa de todas as crianças e jovens no dia a dia escolar ou desconfiamos de suas potencialidades, recusando-nos a oferecer o que lhes é de direito, até atos que colocam em risco a autoestima positiva de determinados alunos.

Nesse turbilhão de procedimentos e consequências, ser professor, nos tempos atuais, está cada vez mais complicado, uma vez que muitos são os desafios encontrados nessa profissão. Talvez fosse melhor substituir o termo “professor” por  “educador”, uma vez que esse tipo de profissional tem que estar preparado para a realidade a ser enfrentada: saber lidar com os problemas que vão surgindo ao longo da carreira. Desde o início da carreira, logo se percebe que o que funciona com uma turma não funciona com a outra, o que funcionava no passado já não tem êxito no momento presente.

Vivemos em um mundo em constante mudança e precisamos compreender isso, para adequar nosso dia a dia à realidade enfrentada perante atos considerados como indisciplina, ultrapassando assim os obstáculos que encontramos. Parece ser algo simples, mas não é bem assim, se levarmos em conta a falta de consideração e respeito com que a sociedade trata o professor, reflexo inclusive dos baixos salários e das péssimas condições de trabalho com as quais ele convive na rotina de trabalho.

Então, quando se deparam com problemas geradores de indisciplina, muitos professores não sabem o que fazer. Alguns pensam que devem ser radicais e não devem tolerar nenhuma atitude que demonstre desrespeito à sua autoridade; outros pensam que, sendo “camaradas”, “liberais”, não terão que enfrentar tais problemas; outros, ainda, conformam-se e deixam tudo como está, pois, se o salário no final do mês está garantido, “pra que se estressar”?

O comportamento desses educadores e suas angústias deveriam despertá-los no sentido de entender os porquês da indisciplina, tema de extrema importância no contexto educacional nos dias atuais, e propor metodologia ou atividades que, adequadamente trabalhadas, possam melhorar a comunidade escolar, por meio de uma convivência saudável e pacífica.

IMPOSIÇÃO DE LIMITES

Muito se ouve falar sobre a indisciplina dos filhos e dos alunos, e a cada dia pais e professores buscam incessantemente soluções para essa desconfortável realidade. Todos clamam em busca de conhecimento sobre o assunto, pois estamos vivendo numa época em que as crianças e os jovens estão equivocados com relação aos valores que formam uma sociedade estável, de valores sólidos, que beneficiem a todos. Torna-se, assim, inadiável a reflexão séria e consciente sobre a realidade atual.

Impor limites à criança contribui para que ela modifique o próprio comportamento sem prejudicar sua autoestima. De acordo com Maldonado (1986, p. 106), impor limites “consiste, essencialmente, em ‘delimitar terreno’”, para que outra pessoa saiba onde está pisando ou, em outras palavras, possa discernir claramente o que é permitido e o que é proibido.

Os pais ou professores não podem ter medo de impor limites, arranjar desculpas por não fazer isso ou sentir-se inseguros ao impor os limites à criança. Essas atitudes fazem com que eles percam a autoridade quanto às regras impostas. Almeida (2008, p. 84) completa esse pensamento ao afirmar que, “quando os limites são colocados à prova, a criança não pode ganhar. Do contrário terá a certeza de que está comandando a situação”.

DE QUEM É A CULPA?

A indisciplina é um dos fatores que mais preocupa o sistema escolar, consistindo em um dos vilões da não aprendizagem do aluno. Os professores, por sua vez, não sabem como lidar com questões relacionadas à indisciplina, e os alunos que se destacam por esse tipo de comportamento são tratados de forma a gerar ainda mais indisciplina ou o outro extremo, sendo, por exemplo, rotuladas de hiperativas ou mal-educadas.

O professor e, muitas vezes por extensão, a própria instituição não sabem como lidar com tal questão e colocam em prática métodos como a punição, que muitas vezes é aplicada a crianças que não praticaram atos a serem punidos ou não têm consciência dos motivos pelos quais estão sendo punidas. Às vezes, a escola – os profissionais que atuam no ambiente escolar – nem sabe por que ocorreu o ato de indisciplina.

Não se trata de encontrar um “culpado” pela indisciplina. É mais cômodo e mais rápido resolver um problema quando se atribui a culpa a alguém; porém, tanto a instituição escolar como os próprios professores precisam parar de buscar culpados e partir para a ação. A respeito desse aspecto, Vasconcellos (1995, p. 54) ressalta: “[…] educar é romper esta cadeia de alienação, é ativar o físico e a mente, é desenvolver todas as potencialidades lógicas e afetivas, é fazer funcionar cada um dos ‘16 bilhões de neurônios’, verdadeiras usinas nucleares de criatividade”.  Fica evidente que “a união faz a força”; ou seja, família e escola precisam unir forças para solucionar os problemas, avaliar metodologias, promover reuniões pedagógicas para abordar o assunto indisciplina, a fim de que o currículo seja adequado à realidade enfrentada pelo ambiente escolar.

À escola cabe a responsabilidade de valorizar os educadores e oferecer-lhes melhores condições de trabalho, promover encontros de capacitação, lutar por melhores salários, estabelecer um número de alunos por sala, fornecer equipamentos adequados à reestruturação de metodologias para ministrar aulas atrativas e inseridas na modernidade tecnológica, que tanto maravilha os estudantes. A escola deve também ser flexível na aplicação de normas, promovendo atividades extraclasse que objetivem o entendimento, por parte dos educandos, de que as regras cooperam para o andamento harmonioso das aulas e do contexto escolar no geral.

O equívoco de atribuir ao professor a “culpa” pela indisciplina ocorre porque o professor é a pessoa que está em constante contato com o educando; na maioria das vezes, até mais do que a própria família. Diante dessa constatação, o professor precisa assumir e transformar a realidade que o cerca e da qual ele é agente e, ao mesmo tempo, paciente. O aluno, por sua vez, como interlocutor desse processo, deve ter participação consciente e interativa, conhecendo seus direitos e deveres, regras e sanções, que eles mesmos podem elaborar – por exemplo, as regras da sala de aula. Vasconcellos (1995, p. 106) orienta: “A afetividade de uma disciplina democrática na escola depende, em última instância, da democratização da sociedade. Os educadores devem se comprometer com o processo de transformação da realidade, alimentando um projeto comum de escola e de sociedade.”

La Taille (1996, p. 19) aborda aspectos sobre a delicada realidade pela qual passam a escola e os alunos em situações que envolvem a indisciplina – situações constrangedoras para ambas as partes:

Portanto, ao abordar a questão da indisciplina pela dimensão da moralidade, não estou pensando que toda indisciplina seja condenável moralmente falando, nem que o aluno que segue as normas de comportamento seja necessariamente um amante das virtudes (pode ser simplesmente motivado pelo medo de castigo ou achar ser mais “lucrativo” não enfrentar professores e bedéis). Mais ainda, certos atos de indisciplina podem ser genuinamente morais: por exemplo, quando um aluno é humilhado, injustiçado e se revolta contra as autoridades que o vitimizam. Portanto, tenhamos cuidado em condenar a indisciplina sem ter examinado a razão de ser das normas impostas e dos comportamentos esperados (e sem, também, termos pensado na idade dos alunos: não se pode exigir as mesmas condutas e compreensão de crianças de 8 anos e de adolescentes de 13 ou 14).

Buscar o entendimento de todo o contexto escolar, envolvendo situações de indisciplina, é o que faz a psicopedagogia. Um dos objetivos dessa ciência consiste em repensar os métodos que as instituições educacionais, em conjunto com os pedagogos e familiares, estão aplicando às crianças. Caso contrário, voltaremos ao tempo em que o professor colocava o aluno em pé no canto da sala ou punia, fazendo-o escrever inúmeras vezes o ato “errado” cometido.

É importante que se descubram quais os motivos geradores da indisciplina, que  podem ser de origem emocional, cognitiva, financeira e até social. Faz-se necessário que os professores e/ou familiares procurem ajuda de um profissional para que sejam investigadas as causas e, a partir de diagnóstico, seja possível reverter a situação ou, pelo menos, minimizar as consequências.

DISCIPLINANDO A INDISCIPLINA

Resgatando ideias da entrevista concedida por Casassus (2008, p. 30), ressaltamos que o professor não precisa ser “amigo” do aluno no sentido de aceitar qualquer situação em que ele esteja envolvido, mas precisa usar de sua autoridade para intervir em atitudes inadequadas.

Isso não é sinônimo de autoritarismo. Também não se trata de controlar a disciplina por meio de “castigos, notas baixas, que provocam medo e tensão” (CASASSUS, 2008, p. 30), comumente aplicados no Brasil a partir do final do século XIX. Não se pode conseguir disciplina com uma ordem, um castigo, um imperativo, que se dirige ao oprimido em nome do conforto pessoal do mais forte. A indisciplina deve ser enfocada como tema de debate, reflexão, estudo de caso e análise.

Essa questão, que gera grande insatisfação, chegando até a se constituir causa de abandono do magistério, tem ocupado um espaço cada vez maior no cotidiano escolar do nosso país. De acordo com Groppa (1996, p. 78):

A escola, como qualquer outra instituição, está planificada para que as pessoas sejam todas iguais. Há quem afirme: “quanto mais igual, mais fácil de dirigir”. A homogeneização é exercida por meio de mecanismos disciplinares, ou seja, de atividades que esquadrinham o tempo, o espaço, o movimento, os gestos e as atitudes dos alunos, dos professores, dos diretores, impondo aos corpos uma atitude de submissão e docilidade.

Assim como a escola tem esse poder de dominação, que não tolera as diferenças, ela também é recortada por formas de resistência. Compreender essa situação implica em aceitar a escola como um lugar de extrema tensão entre forças antagônicas. Se ensinar é mais do que transmitir conteúdos, é poder gerir relações com o saber, a aprendizagem implica em tensão, violência para aprender.

A classe é um lugar onde se tece uma complexa rede de relações. Mas, se o professor não consegue perceber essa teia, ele concentra os conflitos ou na sua pessoa ou em alguns alunos, não deslocando esses mesmos conflitos, portanto, para o coletivo. Como não há reversibilidade de posições, forma-se uma rígida divisão entre aquele que sabe e impõe e aquele que obedece e se revolta. Dessa forma, cada um passa a ser movido por uma ordem, por uma obrigação, que é imposta e não incorporada.

Se o ambiente é fundamental na construção e manutenção do emocional do sujeito e, por conseguinte, da criança, a família tem sua fatia de responsabilidade para gerar o clima de disciplina ou de “não disciplina”. Para Macaé Evaristo (apud LEVISCHI, 2008, p. 3), secretária adjunta de Educação de Belo Horizonte, a escola deve “motivar as famílias a perguntar sobre as atividades feitas durante o dia, a olhar o caderno, a ler junto, a ajudar na tomada de decisões”, atitudes que ajudam tanto na construção do aprendizado da criança como na garantia de um ambiente adequado à manutenção da disciplina, minimizando e até eliminando situações geradoras de indisciplina.

Conforme Levischi (2008, p. 35), a valorização dos saberes da família, que podem ser identificados por meio de visitas à casa dos alunos, diminui a evasão escolar e melhora a aprendizagem. Pode-se depreender dessa constatação que o aluno reflete o ambiente familiar no ambiente escolar e, consequentemente, em situações de disciplina ou indisciplina. Para Vanda Noventa (apud LEVISCHI, 2008, p. 35), coordenadora do Programa Melhoria da Educação do Município, “a família tem um papel fundamental na constituição do ser humano. É o lugar dos cuidados, do amor, da fraternidade, da ajuda mútua, do abrigo”; portanto, esses são aspectos formadores de um sujeito que dificilmente se envolve em situações de indisciplina.

A indisciplina é a vilã que aparece em todo ambiente escolar, ocorrendo nos primeiros anos escolares até o nível superior, embora nesta última etapa não seja tratada por tal designação. Qual professor nunca se deparou com situações desencadeadoras de indisciplina? Em estudos e pesquisas em que foram coletados depoimentos de professores que vivenciaram tais situações, constata-se que o fator desencadeador é um “contágio emocional”; ou seja, a indisciplina é reflexo do emocional do sujeito, pois ocorre “quando um determinado fato desencadeia fortes emoções em um grupo”.

Diante da realidade da indisciplina, os profissionais geralmente optam por impor uma disciplina, “custe o que custar”. O resultado é um quadro desesperador, sintetizado por Vasconcellos (1995) da seguinte forma: ao professor, resta conseguir que o aluno fique quieto para que ele possa dar aulas; ao aluno, cabe colaborar para que a aula termine logo, livrando-se assim do incômodo desta, e para obter nota; quanto à administração, fica satisfeita por não ter “problemas”; e à família, importa que o filho passe de ano e demonstre, com isso, certa ascensão social.

CONCLUSÃO

O assunto indisciplina permeia muitas esferas de circulação, desde a imprensa até os periódicos voltados especificamente à educação. Recentemente a revista Nova Escola, após receber muitos pedidos de leitores interessados no tema indisciplina, dedicou a esse tema a matéria de capa da revista n. 226, de outubro de 2009, para chamar a atenção do leitor a essa realidade, presente em todos os ambientes escolares, sem distinção de local ou classe social.

Assim, percebemos que comprovadamente não há “a solução” para essa questão. Há sim, como abordamos, caminhos a seguir, outros a descobrir, mas sempre permeados com o risco de erro ou com a felicidade do êxito. Utilizando as ideias de Vichessi (2009, p. 79), esse entrave para se atingir uma “boa educação” decorre da “falta de conhecimento sobre o tema e de adequação das estratégias de ensino.”

Não se deve, entretanto, colocar a culpa da indisciplina em alguém: professor, aluno, família ou na própria escola, como sistema organizado de ensino. Deve-se ter consciência, coletivamente, de que a indisciplina é bem mais complexa do que podemos supor e, portanto, complicada de ser totalmente eliminada do meio escolar, tendo em vista que ela não se apresenta somente na escola, mas na família, no clube, na rua, nos ônibus coletivos, entre outros.

Talvez entremos em um tempo caracterizado por ações que desencadeiem atos de não indisciplina. Para tanto, conforme Groppa (2002, p. 22), “todos os profissionais de educação [devem abdicar] do hábito de se postarem como vítimas de uma ‘sociedade inadequada’ e atentar para seu compromisso com a construção de uma escola verdadeiramente inclusiva e de qualidade. Algo perfeitamente viável, se assim o desejamos e fizermos.” Dessa forma, o ambiente escolar contribuirá para a “edificação de um mundo mais pensante, mais pacífico, mais livre, enfim”.

 

Nota

1 A pesquisa do sociólogo e filósofo chileno, envolvendo 54 mil estudantes, teve como objetivo compreender fatores que influenciam no desempenho de crianças em idade escolar em ambientes como o familiar, o escolar e o social.

 

REFERÊNCIAS
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BARBOSA, Laura Monte Serrat. Uma só psicopedagogia e vários âmbitos de ação. Boletim Informativo Psicopedagogia, jul.-set. 2005. Disponível em: <http://www.paranasulabpp.com.br/2005_3_Laura.pdf >. Acesso em: 24 ago. 2011.
CASASSUS, Juan. O clima emocional é essencial para haver aprendizagem. Revista Escola, n. 218, p. 28-32, dez. 2008.
FERNANDES, Celina. Revista Escola, n. 222, p. 34, 2009.
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LA TAILLE, Yves de. A indisciplina e o sentimento de vergonha. In: GROPPA, Julio Aquino (Org.). Indisciplina na escola: alternativas teóricas e práticas. 2. ed. São Paulo: Summus, 1996. p. 9-24.
LEVISCHI, Beatriz. De portas abertas para a sociedade. Nova Escola, n. 1, p. 31-37, ago. 2008. Edição especial.
MALDONADO, Maria Tereza. Comunicação entre pais e filhos: a linguagem do sentir. 8. ed. Petrópolis:  Vozes, 1986.
REPULHO, Cleuza. Assim não dá! Culpar a família pelo desempenho do aluno. Nova Escola, n. 222, p. 30, mai. 2009.
VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Disciplina: construção da disciplina consciente e interativa em sala de aula e na escola. 7. ed. São Paulo: Libertad, 1995.
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