Será que poderíamos comparar a sala de aula com um formigueiro? Qual dos dois seria mais complexo e desafiador? Embora toda comparação analógica possa ser redutora e problemática, elas sempre foram usadas para compreender situações complexas e pouco estruturadas ou despertar novas perspectivas e visões sobre algo já conhecido. Pensemos em um formigueiro: as colônias de formigas têm uma estrutura hierárquica, com uma rainha, operárias exploradoras e agregadoras, etc. Elas se comunicam usando uma substância química (feromônio), que possibilita a resolução dos problemas na busca e armazenagem de alimentos, entre outras necessidades da colônia. O que não sabíamos ainda é o que a ciência tem revelado nos últimos anos. Destacaremos apenas três dessas descobertas.
- As formigas conseguem se comunicar por meio do som. Foi possível gravar sons característicos que as rainhas emitem dentro do formigueiro. Esses sons produzem reações nas operárias, o que fortalece o status social da rainha.
- A segunda pesquisa mostrou o engenho tecnológico, colaborativo e de orientação das formigas ao se enrolarem, formando uma “bola de formiga” para aumentar as chances de sobrevivência nas inundações.
- A terceira investigação estudou os processos algorítmicos que as formigas utilizam para otimizar caminhos na direção dos alimentos, chegando à conclusão que essas estratégias são mais eficientes que os algoritmos do Google ao buscar informações na internet.
Levando a analogia ainda mais longe, podemos, com base nas pesquisas apresentadas, pensar em três padrões de complexidade vindos do formigueiro e presentes também na sala de aula: I. comunicação diversificada e multidirecional;
II. colaboração entre indivíduos e com tecnologia;
III. Estratégias eficientes de aprendizagem.
Olhemos agora para uma cena de sala de aula hipotética, mas não improvável. Nilo – o perguntador sempre termina suas intervenções com uma pergunta surpreendente, engraçada ou desconcertante.
No contexto da tirinha a comunicação é unidirecional – da professora para os alunos, conteudista (centrada na transmissão das definições dos livros), e descontextualizada (pois ignora que lá fora está ocorrendo exatamente o fenômeno do eclipse de que está falando). Mesmo que estivesse usando a melhor tecnologia audiovisual ou digital para representar o eclipse, nenhuma delas substituiria de forma plena a observação natural do fenômeno.
Nota-se a falta de eficiência estratégica ao ensinar, no episódio que o Nilo representa, o que não está longe do que é praticado normalmente em sala de aula. Como nesse caso, quando temos um ensino centrado no discurso do professor, temos um ensino passivo. Contudo, podemos ter um ensino ativo quando ele é centrado nos alunos e incentiva a aprendizagem ativa (Neri de Souza & Bezerra, 2013).
O professor hoje, mais do que em qualquer outro tempo, é um agente de mudanças nos padrões educacionais. Está na responsabilidade dos educadores, sejam docentes, coordenadores, pais ou demais agentes educativos, o propiciar um ensino ativo para uma aprendizagem ativa.
Como proporcionar um ensino ativo?
Quando se pensa em mudar o padrão de ensino e de aprendizagem começa-se geralmente com as condições de infraestrutura material e humana que podem servir como desculpas para não se efetuar qualquer mudança ou melhoria na qualidade do ensino.
Por exemplo, em um ensino passivo se pratica o questionamento passivo, que é aquele centrado no discurso do professor e dominado por suas perguntas de baixo nível cognitivo (Almeida & Neri de Souza, 2010). Muitas pesquisas têm demonstrado esse padrão de questionamento, indicando que os professores formulam em média três perguntas por minuto, enquanto os alunos fazem apenas uma pergunta por semana em sala de aula. Ora, os alunos que não sabem, deveriam formular e expressar suas perguntas, e não os professores. Os professores deveriam fazer poucas perguntas e estas deveriam ser pensadas com antecedência e com intencionalidade pedagógica (Alarcão, 2004).
Levando em consideração o “ecossistema” da sala de aula como se fosse um formigueiro, teremos que pensar nas três dimensões já apontadas: I. comunicação diversificada e multidirecional – perguntas dos alunos para o professor e para os colegas (e não somente perguntas do professor para o aluno), com aumento das oportunidades para formular perguntas nas aulas teóricas, práticas, laboratoriais, etc.; II. colaboração entre indivíduos e com tecnologia – uso das tecnologias da informação e comunicação (TIC) para estender o tempo e o espaço de questionamento na sala de aula; e III. estratégias eficientes de aprendizagem – criação de processos centrados na aprendizagem ativa dos alunos, como por exemplo, ligar o mundo presencial da sala de aula ao mundo virtual, com situações-problema desafiadoras, contextualizadas, e que façam sentido para os alunos.
Como as formigas, os professores precisam compreender que o processo de criar estratégias de aprendizagem é gradual, complexo e diligente, e é necessário experimentação para otimizar esses processos com base num ensino ativo. A formação inicial e continuada de professores é fundamental. Partilhas entre a comunidade e a prática docente podem ser enriquecedoras. A integração das tecnologias promete ser uma mais-valia, mas somente a persistência contínua de um professor pesquisador da sua própria prática docente pode ser realmente transformadora.
Integração das tecnologias na educação
Como as formigas integrariam as tecnologias nas suas colônias? Certamente aplicando as três dimensões aqui resumidas: comunicação, colaboração e estratégia. Sabe-se, por exemplo, que em um ambiente digital o padrão de questionamento é diferente do padrão da sala de aula. Em ambientes virtuais, os alunos formulam mais perguntas que os professores.
Sendo assim, instrumentos educacionais, como o livro didático em papel (LDP) e o livro didático digital (LDD), poderiam ser usados para promover uma aprendizagem ativa? Primeiramente, necessitamos questionar qual a relação dos alunos com o livro didático. Os alunos “gostam” dos livros?
Os LDP são hoje muito mais “atrativos” que há poucos anos, contudo os professores sabem que esse fato não corresponde diretamente a um aumento do interesse e do envolvimento ativo dos alunos com o livro e com o aprendizado. Agora, será que o LDD em tablet ou outro dispositivo poderá fazer alguma diferença nesse campo?
A integração das tecnologias, como o LDD, segundo Neride Souza & Mol (2013), vai além da qualidade do hardware e do software, e está relacionado com o pedagoware. Para esses autores, pedagoware é a “parte lógica de um livro didático em tablet, que se refere ao conjunto de instruções e estratégias didático-pedagógicas que consideram a complexidade dos atos de ensinar e de aprender. Pode-se dizer também que pedagoware é a sistematização na integração dos seguintes elementos: hardware, software, conteúdos, aluno e professor, em suas múltiplas relações, com vistas à promoção do ensino e da aprendizagem ativa, no contexto interdisciplinar da educação formal ou não formal” (p. 2.498).
Neri de Souza & Mol (2013) definem quatro dimensões para o pedagoware: I. interações; II. gestão dos recursos; III. assistência à aprendizagem e IV. gestão do ensino e da aprendizagem. Assim, um LDD que reflita todos os elementos que compõem cada uma das quatro dimensões é considerado um LDD integrador, e para ser plenamente aplicado necessita satisfazer também a maioria das três dimensões das “formigas”: comunicação, colaboração e estratégia. Por exemplo, o LDD permite que o aluno formule pergunta(s) relacionadas à leitura do texto, da imagem ou do vídeo e que essa(s) seja(m) enviada(s) para os colegas ou para os professores. Uma integração total e sistemática das várias estratégias de ensino para uma aprendizagem ativa usa as tecnologias como suporte para potenciar as interações e as aprendizagens numa concepção Cloud Education.
Naturalmente, se o professor não está capacitado a integrar as TIC nessa nova lógica, os tablets podem se tornar um “tormento” no estudo dos conteúdos. Diante da comparação entre o formigueiro e a sala de aula, é fácil concluir que a sala de aula, em suas múltiplas, variáveis, incertas e humanas interações e desafios é muitas vezes mais complexa. Por isso, quão bem preparados os educadores deveriam estar para enfrentar com sucesso esse contexto?
Referências
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ALMEIDA, P.; SOUZA, F. N. de. Questioning profiles in secondary science classrooms. In: International Journal Learning and Change, v. 4, n. 3, p. 237-251. 2010.
BEZERRA, A. C. S.; SOUZA, F. N. de. Construção curricular partilhada da disciplina TIC e educação no Ensino Superior. Currículo Sem Fronteiras, v. 13, n. 1, p. 143-166, 2013.
CHIN, C. Questioning students in ways that encourage thinking. Teaching Science, 50(4), p. 16-21, 2004.
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