A internet conecta as pessoas à rede diminuindo cada vez mais as distâncias, mas ao mesmo tempo, afasta umas das outras na vida real. Seu uso abusivo já tem nome: Nomofobia
Na vida dos adolescentes, essa realidade tem sido mais intensa. Keidy Zanotelli, 16 anos, olha constantemente para o display do Blackberry e não resiste quando vê o pontinho vermelho indicando algum alerta. Ela diz: “Pode ser e-mail, uma menção no Twitter, recado no Facebook ou SMS. Aí eu tenho que ver e fico o tempo todo olhando. Se não dá sinal vermelho por muito tempo, dou uma conferida para ver se está mesmo certo”. Ela vive em colégio interno e fica vários meses sem ver os pais. Todavia, mesmo quando se encontra com eles não resiste à internet. “Meus pais ficam bravos, pois me atraso para o almoço e, na hora das refeições, fico na net, seja pelo computador, celular ou pelo Ipod”, confessa a adolescente.
Keidy não se imagina vivendo sem conexão. Segundo ela, é para não ficar longe dos amigos nem desinformada e admite que se sente aflita, sua frio e chega a sentir mal-estar quando é necessário se desconectar.
Conexão perigosa
Como essa adolescente, centenas de pessoas têm sido diagnosticadas como nomofóbicas. A palavra nomofobia é nova e está sendo usada para descrever a sensação de angústia que muita gente tem diante da impossibilidade de se comunicar ou de se ver desconectada por estar sem um aparelho celular. Como os celulares são usados cada vez mais para conexão com a internet e menos para ligações, a nomofobia se aplica também a quem não consegue viver sem computador ou se apavora com a possibilidade de acabar a bateria de um desses apetrechos eletrônicos.
O assunto é sério e vem sendo tratado como doença e transtorno de ansiedade. No Laboratório de Pânico e Respiração do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro já existe tratamento para pessoas nomofóbicas.
De fato, a tecnologia facilitou muito a vida moderna. As pessoas se conectam em fração de segundos uma vez que a comunicação está na ponta dos dedos. Entretanto, quando isso se torna a regra e afeta o comportamento social na vida real, é hora de prestar atenção. A psicoterapeuta Cristina Brito Beue afirma: “O medo de ficar incomunicável ou desconectado é o que caracteriza esse transtorno que desencadeia taquicardia, falta de ar, suor frio e dor de cabeça.”
Além disso, como afirmou Marcel Freire, 28 anos, coordenador de redes sociais de uma universidade no interior de São Paulo, “difícil mesmo é o ‘viciado’ admitir o problema.” Marcel é músico e grande apreciador de blogs (tem um, aliás). Ele pesquisa sobre cultura e entretenimento, e calcula que gasta mais de oito horas por dia só nas redes sociais além de outras coisas. Tem internet no trabalho, em casa e no celular. Ou seja, vinte e quatro horas no ar. “Meus amigos acham engraçado e já virou motivo de piada porque, devido ao fato de sempre estar ligado, eu costumo estar bem informado sobre o que acontece no mundo, e sobre os meus amigos também. Falam até que eu sou onipresente”, conclui Marcel.
Anna Lúcia King, pesquisadora do Instituto de Psiquiatria da UFRJ, avaliou pessoas sadias, comparando-as com pacientes que sofrem com a síndrome do pânico e descobriu que, entre os que se consideravam sadios, 34% confessaram que têm grande ansiedade sem o aparelho celular e 54% dos entrevistados tinham pavor de passar mal na rua sem o aparelho por perto.
Mudanças sociais
Se houve mudanças na escrita através da adoção de abreviações e expressões que mais parecem ser códigos secretos do que outra coisa, houve também mudança no comportamento humano. Numa época de casamentos tardios, as relações artificiais da rede, no conforto do lar, ganham espaço e preferência em detrimento do relacionamento ao vivo entre as pessoas.
Os filhos, por exemplo, preferem o Google ao conselho dos pais e, mesmo em reuniões familiares, estão fora da realidade, num mundo à parte. Lembra da Keidy? Ela diz: “Eu fico falando com meus amigos até tarde. É muito gostoso, mas meus pais se incomodam; e, à meia-noite, querem que eu vá dormir. Daí vou pra cama, mas com o smartphone na mão. Se pudesse, não dormia.”
Marcel Freire, por sua vez, afirma: “Existe grande vantagem profissional em estar conectado e bem informado, mas a desvantagem é que, às vezes, os relacionamentos virtuais se tornam mais importantes do que os relacionamentos pessoais, porque tudo na internet pode ser muito mais calculado.”
Trocar a vida real pela vida artificial é muito arriscado, inclusive para a saúde. Isso não ocorre apenas com os mais jovens. Os adultos estão cada vez mais escravizados pelos telefones que concentram todas as informações como e-mails, mensagens, orçamento familiar, aplicativos do dia a dia, calendários, agenda e compras. De acordo com a Forrester Research, o comércio realizado por aparelhos móveis passará dos seis bilhões de dólares em 2012.
A desculpa é sempre o trabalho. Eles não percebem que estão resolvendo pendências do trabalho em pleno fim de semana, em vez de esperar até a segunda-feira. Com isso, nunca se desconectam e acabam se deixando envolver pelo que os especialistas chamam de “hábito de verificação”. Lembra-se da luzinha vermelha do início da reportagem?
Como uma febre
Para muitos desses usuários, a mania de ficar buscando informações é tão intensa que, mesmo conduzindo um veículo, não conseguem se livrar do aparelho. Isso tem sido causa de graves acidentes. Segundo pesquisadores da Helsinki Institute for Information Technology, os usuários se preocupam em verificar seus dispositivos, durante horas, numa ansiedade digna dos mais sérios transtornos de comportamento. Ao mais leve sinal de tédio, se busca algum tipo de conexão como remédio. Isso é tão sério que uma pesquisa demonstrou que os adolescentes viciados em celular e internet são incapazes de se divertir sem o aparelho.
No Brasil, o número de aparelhos celulares já ultrapassa o de habitantes (dados da Anatel indicam cerca de 227 milhões de aparelhos até setembro de 2011). Estudos demonstram que a aquisição desses aparelhos já se transformou em item de primeira necessidade, mesmo entre os mais pobres. Isso tem prejudicado o orçamento de muitas famílias, mas lamentavelmente, eliminar essa despesa, para muitos, está fora de cogitação.
Os especialistas alertam para o fato de que a nomofobia é um transtorno do controle dos impulsos. Simplificando, trata-se de uma intensa ansiedade por uma ação nociva à própria pessoa ou ao próximo que só passa depois de realizada. Pode ser comparada com os problemas de alcoolismo, cleptomania ou vício das drogas. Ora! Se esses impulsos não são saudáveis com essas ações, porque o seriam com a conexão?
Não é nada fácil ficar “desligado” numa sociedade em que estar informado de tudo, o tempo todo, ainda que sobre coisas e fatos inúteis, é símbolo de status. Ter um aparelho de celular repleto de recursos corresponde a estar em nível social elevado. Lamentavelmente, essa realidade dá evidências de outro tipo de busca: a busca por afirmação de identidade.
Mas é possível relaxar e ser menos dependente. Afinal, essa tecnologia toda está aí para ser controlada e não para controlar. Lembre-se de que há algum tempo você nem tinha aparelho de celular. Então, por que ficar desesperado se esquecê-lo em casa por um dia? Aproveite essa oportunidade para falar pessoalmente com um colega de trabalho, observar as coisas ao seu redor que muitas vezes passam despercebidas enquanto você está teclando; passar tempo lendo um bom livro ou ouvindo uma boa música. Certamente, isso contribuirá para aumentar a qualidade de vida.
O Instituto de Psiquiatria da UFRJ atende pacientes que sofrem dessa fobia em seu Laboratório de Pânico e Respiração. O endereço do Ipub é Avenida Venceslau Brás, 71, Botafogo. Mais informações pelo telefone (21) 2295-3499.
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